1 de novembro de 2012

Pinheirinho

Era um verdadeiro paraíso aquele cantinho na volta do rio Carahá. A água era relativamente limpa, e a sua margem rodeada de arbustos e vimes. Na chegada do Pinheirinho, como era chamado o local, onde hoje situa-se o pontilhão do centro da cidade para UNIPLAC (Universidade do Planalto Catarinense), ali existia uma trilha com muitas árvores, alguns cipós bastante fortes, muito parecidos com aqueles do Tarzan e resistentes para a travessia no riacho pela garotada. E o mais importante é que ficava bem escondido, naquela selva infantil, longe dos olhares dos curiosos.

A roupa na chegada, era tirada e cuidadosamente guardada num lugar seco, para que não molhasse e fosse entregue o ouro para os bandidos, quando chegasse em casa. O calção para tomar banho do pessoal era dispensado. O traje da turma era ao natural, não tinha problema porque o local era vedado as meninas. Apesar da área aquática ser muito reduzida, nada impedia que desfrutassem dos belíssimos saltos ornamentais, com os galhos das árvores servindo de trampolim, bem como os recordes de natação nos cinco metros rasos. Tudo era alegria.

Grandes reuniões, com as estórias da semana, as trocas de figurinhas das balas Brasil, as brigas e façanhas extravagantes, as previsões do capítulo seguinte do seriado do Tom Mix, que passava todos os domingos à tarde no Carlos Gomes, e outras coisas mais. 

Havia também os heróis, como o magrinho Edemar, que numa tarde quando o Graciano nadava no estilo pregal, perdeu às forças e afundou no riacho, Edemar não contou tempo, deu um pontaço indo ao fundo trazendo-o puxado pelos cabelos. Belo gesto!

Apesar de todo cuidado que a garotada dispensava a seu recanto, para manter a sua privacidade, poderia sempre acontecer um imprevisto. Os motivos eram diversos: uma chuva de horas de duração, uma cobra querendo entrar nas brincadeiras ou o dono do terreno Sr. Vivino que não estava nada contente com os invasores de sua propriedade fazendo dela um clube de recreação e não perdia a oportunidade para afugentá-los com uma vara de vime na mão.

Não compartilhavam dessas férias coletivas, os pais da gurizada que se apavoravam só em pensar de que um dia eles pudessem estar tomando banho no riacho. Pior ainda, se eles descobrissem que além do mais, havia também a gazeta na escola da Dona Ida Schimidt.

Um dia é da caça e o outro do caçador, e este dia chegou. 

Seu Vivino teve o seu momento de glória, naquela bela tarde de segunda-feira, quando chegou sorrateiramente e apanhou todas as roupas dos banhistas e as levou embora. O Tuffi foi o primeiro a perceber a falta das roupas e dar o alarme. O Zé Pinga, Paulo Henrique, e o Manoel saíram gritando para a gurizada do ocorrido. 

E o que faremos? Perguntou o Paulo Henrique.

Pois eu tenho uma ideia respondeu o Tuffi, o capataz da chácara de meu pai, o Nego Lili, mora aqui bem perto e poderemos tentar falar com ele para nos ajudar. 

Truffi enrolou-se numas folhas de copo de leite e foi atrás do Lili que felizmente estava em casa e arrumou algumas roupas de seus filhos e filhas.

Chegar em casa, chegaram. Bem dispostos, porém não souberam explicar porque saíram com uma roupa e chegaram com outra, alguns de bombachas, saias, e outros até de blusa “tomara que caia“ ... 

A Galinhada do final de semana

A mocidade de Lages era muito criativa em suas aventuras, e uma delas, muito lembrada, era a da galinhada nos finais de semana, regada com muito vinho e estórias. Dividiam-se as tarefas na preparação. Uma equipe era destacada para a visita às residências dos companheiros, na observação dos galinheiros. A outra equipe preparava detalhadamente o plano de ação para captura das penosas. Era muito importante que os primeiros observadores ficassem bem atentos ao plantel para evitar os galos de 10 anos, comuns na época e difíceis para o preparo, fossem confundidos na hora da apanha.

A escolha das visitas aos galinheiros, na noite de sexta-feira, não foi difícil, e por unanimidade foi aprovada a residência do sr. Emiliano. O que pesou muito na escolha foi de terem constatado que naquela semana, o sr. Emiliano havia trazido do sítio umas galinhas crioulas, especiais para um bom ensopado.

A captura das penosas que anteriormente nunca havia tido problema, desta vez parecia estar tendo. Cizinho, o líder da incursão noturna ao galinheiro, quase desistiu. Havia sido alertado de que o cão de guarda estava do outro lado do terreno não tendo problema na operação. Só não o alertaram de que o sr. Emiliano havia trazido do sítio também um casal de gansos. E, foi aquele festival de barulho e por pouco não foi descoberto.

Naquela correria o pessoal da apanha, liderados pelo Cizinho, conseguiu a muito custo, levarem quatro penosas.
         
No sábado, durante o preparo do ensopado das galinhas, o assunto era um só: Os gansos! O sufoco  que a turma passou. 

Temos certeza de que o sr. Emiliano nos viu, pois percebi que a janela dos fundo da casa foi aberta e alguém gritou, disse o Luis Henrique.

É pura imaginação tua. Esfrie a cabeça. Na próxima, a turma de observadores terá mais cuidado. O importante agora é que ajudes o Estefano a cuidar do tempero da galinha que ele no sal, é mão pesada, resposta do Francisco para acalmar o pessoal.

Apesar do pequeno contratempo, a galinhada  realizou-se mais uma vez num alegre sábado, acompanhada das bebidas.

Na segunda-feira, como de costume, a turma se reuniu na frente do bar Marrocos, e ficou num bate papo descontraído, e ao mesmo tempo apreciando a passagem das lindas mocinhas, como se nada tivesse acontecido.             

Turma, olhe quem vem vindo! Disfarcem, olhem somente de “esgueio“, disse Estefano, já com o coração disparando.

Aparece a poucos metros deles, caminhando tranquilamente, como era seu costume pelas manhãs, o sr. Emiliano, dono do galinário. Esse passeio dele é diário, não há preocupação maior. Está tudo bem, vocês vão ver, palavras do  Cizinho para acalmar o pessoal.

Bom dia jovens. Como vão? Disse o sr. Emiliano ao passar pela turma, olhando atentamente.

Após alguns passos, o sr. Emiliano parou, como tivesse esquecido algo, e retornou até o pessoal que nesta altura dos acontecimentos estavam paralisados de medo.

O sr. Emiliano, dirigindo-se para o Cizinho, com aquela cordialidade que lhe era peculiar, tirou um documento do bolso do casaco e entregou dizendo:

Tenho a impressão que esta “carteira de estudante“ que achei hoje pela manhã no galinheiro de minha casa é tua. Guarde-a bem!

E, prosseguiu sua caminhada, desta vez com um sorriso triunfante.